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Selic, Financiamento e a Ilusão da Estabilidade: Hora de Financiar ou de Racionalizar?

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Por Carlos Honorato – Economista e Especialista em Planejamento de Cenários


A decisão mais recente do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a Selic em 15% ao ano tem sido interpretada por parte do mercado como um "ponto de inflexão". Para alguns analistas mais otimistas — ou talvez apenas precipitados — trata-se do fim do ciclo de alta dos juros e do momento ideal para financiar imóveis. Mas será que a leitura é tão simples assim?


Neste artigo, proponho ir além das manchetes e refletir sobre o que essa taxa, aparentemente estável, realmente sinaliza. E, sobretudo, como ela deve ser interpretada sob a ótica de um cidadão, de um empresário ou de um investidor que precisa tomar decisões racionais em meio à incerteza estrutural da economia brasileira.


1. O Copom Não Está Otimista — Está Cauteloso

Embora a comunicação oficial do Banco Central tenha suavizado o tom, a manutenção da Selic em 15% é, por si só, uma mensagem clara: os fundamentos econômicos seguem frágeis. A inflação acumulada ainda persiste acima da meta, os núcleos inflacionários seguem pressionados e a política fiscal do governo não inspira confiança.

Traduzindo do BCês para o português claro:A autoridade monetária não tem convicção suficiente para reduzir os juros de maneira sustentável. E diante da instabilidade fiscal e da baixa previsibilidade política, adotar uma postura dovish (mais leniente com a inflação) seria arriscado.


2. “Hora de Financiar Imóvel”? Cuidado com o Marketing Disfarçado de Análise

A manchete que vem se repetindo em sites de finanças pessoais e portais de investimento — “Agora é a hora de financiar” — pode soar como boa notícia para quem sonha com a casa própria. Mas ela embute um viés perigoso: o de tomar uma decisão de longo prazo com base em um sinal pontual de política monetária.

Vamos aos fatos:

  • O crédito imobiliário no Brasil opera com juros reais altíssimos quando comparado a economias mais estáveis.

  • O sistema de financiamento (SBPE) está sujeito a reprecificação rápida caso a inflação volte a acelerar ou o governo pressione os bancos públicos.

  • O cenário político e fiscal do país segue volátil — e isso impacta diretamente o custo futuro do crédito.

Logo, quem assina um financiamento hoje está assumindo uma dívida com horizonte de 20 a 30 anos. Se basear essa decisão em um suposto “fim de ciclo” é, no mínimo, temerário. Afinal, não estamos nos EUA — onde o Federal Reserve dá sinais longos, previsíveis e confiáveis. Estamos no Brasil: um país onde cenários mudam, governos derrapam, e as regras são reescritas conforme a pressão do dia.


3. Decisão de Endividamento Exige Métricas, Não Manchetes

É aqui que entra o olhar técnico e a responsabilidade de quem orienta decisões: endividar-se num país de juros altos precisa fazer sentido econômico, não emocional.

Sugiro três perguntas essenciais para qualquer tomada de decisão sobre financiamento imobiliário:

  • A parcela cabe com folga no orçamento mesmo em cenários adversos?

  • A valorização esperada do imóvel compensa o custo financeiro total da operação?

  • Existe outra aplicação para esse capital que gere mais valor com menor risco?

Se a resposta for não para qualquer uma delas, o mais prudente é esperar. Ou então buscar alternativas como consórcio, compra à vista com desconto ou mesmo aluguel estratégico.


4. O Valor do Dinheiro no Tempo: O Brasil Não Esquece o Passado

O Brasil vive ciclos de crédito e desilusão. O cenário atual lembra — guardadas as proporções — o início da década de 2010, quando os financiamentos pareciam "fáceis", a taxa Selic caiu artificialmente, e o país mergulhou numa armadilha de crédito, seguida de uma crise severa.

A diferença é que agora o Banco Central tem mais autonomia, mas o populismo fiscal ressurge com força no Congresso e no Planalto. A derrubada de medidas como o aumento do IOF, a proposta de aumentar o número de deputados, e a resistência a cortes de gastos revelam um ambiente de gasto descontrolado sem base em responsabilidade intertemporal.

Conclusão: O Copom segurou os juros, mas não segurou o risco

Financiar não é apenas uma decisão de custo. É uma aposta no país — e uma aposta nas regras que estarão vigentes pelos próximos 20 ou 30 anos. Com a Selic elevada e os sinais fiscais turvos, o risco de se endividar em real, no Brasil, continua alto.

Mais do que saber se os juros caíram, o brasileiro precisa saber se as instituições continuam de pé, se as metas fiscais serão cumpridas e se o contrato será honrado.

Se isso não estiver claro, o financiamento deixa de ser investimento e passa a ser um ato de fé. E, como economista, prefiro ficar com a razão.


🔍 Carlos Honorato é economista, especialista em Planejamento de Cenários, consultor estratégico e fundador do projeto Cenários HonoratoX. Atua há mais de 20 anos ajudando empresas e cidadãos a tomarem decisões mais inteligentes em contextos incertos.


 Leia mais e acompanhe análises aprofundadas em nossos três portais:

 
 
 

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