O Dilema de Triffin, a Queda do Padrão-Ouro e a Agenda de tarifas de Trump em 2025
- Carlos Honorato Teixeira
- 17 de jul.
- 8 min de leitura
Atualizado: 19 de jul.
Carlos Honorato IA

Introdução
O dilema de Triffin, identificado na década de 1960 pelo economista belga-americano Robert Triffin, é um conceito fundamental para entender as tensões inerentes ao sistema monetário internacional, especialmente no contexto do sistema de Bretton Woods e da hegemonia do dólar americano. A decisão de 1971, conhecida como o "choque de Nixon", que encerrou a conversibilidade do dólar em ouro, marcou o fim do padrão-ouro e abriu caminho para um sistema de moedas fiduciárias com taxas de câmbio flutuantes. Em 2025, com Donald Trump novamente na presidência dos Estados Unidos, surgem especulações sobre como sua agenda econômica pode abordar os desafios remanescentes do dilema de Triffin, a sustentabilidade do dólar como moeda de reserva global e as implicações de suas políticas protecionistas e fiscais. Este artigo explora o dilema de Triffin, o colapso do padrão-ouro em 1971 e analisa possíveis intenções por trás da agenda econômica de tarifas de Trump em 2025, com base em evidências disponíveis e tendências observáveis.
O Dilema de Triffin: Uma Contradição Sistêmica
O dilema de Triffin refere-se ao conflito de interesses entre os objetivos econômicos domésticos de curto prazo e as responsabilidades internacionais de longo prazo de um país cuja moeda serve como reserva global. Sob o sistema de Bretton Woods, estabelecido em 1944, o dólar americano era a âncora do sistema monetário internacional, conversível em ouro a uma taxa fixa de US$ 35 por onça. Esse arranjo exigia que os Estados Unidos fornecessem dólares suficientes para atender à demanda global por reservas cambiais e facilitar o comércio internacional. No entanto, Triffin argumentou que essa necessidade de fornecer liquidez global entrava em contradição com a estabilidade econômica doméstica dos EUA.
Para suprir o crescimento do comércio global, os EUA precisavam incorrer em déficits na balança de pagamentos, exportando dólares para outros países. Esses déficits, no entanto, minavam a confiança na capacidade dos EUA de manter a conversibilidade do dólar em ouro, já que as reservas de ouro americanas eram finitas. Triffin alertou que, se os EUA continuassem a emitir dólares, suas reservas de ouro se esgotariam; se reduzissem os déficits, o mundo enfrentaria uma escassez de liquidez, levando a uma contração econômica global. Essa tensão estrutural tornou o sistema de Bretton Woods insustentável a longo prazo.
O dilema não se limitava à era do padrão-ouro. Mesmo após 1971, quando o sistema de Bretton Woods colapsou, o dólar manteve seu status de moeda de reserva global, mas as contradições persistem. Os EUA continuam a incorrer em déficits comerciais e fiscais para fornecer liquidez global, o que aumenta a dívida pública e externa, levantando questões sobre a sustentabilidade do sistema.
A Queda do Padrão-Ouro em 1971: O Choque de Nixon
Em 15 de agosto de 1971, o presidente Richard Nixon anunciou a suspensão da conversibilidade do dólar em ouro, um evento conhecido como o "choque de Nixon". Essa decisão marcou o fim do sistema de Bretton Woods e o abandono do padrão-ouro. Vários fatores contribuíram para essa ruptura:
Déficits Crescentes: Durante a década de 1960, os EUA enfrentaram déficits persistentes na balança de pagamentos, impulsionados por gastos com a Guerra do Vietnã e programas sociais domésticos, como o "Great Society" de Lyndon Johnson. Esses déficits levaram a um aumento da emissão de dólares, que superava as reservas de ouro disponíveis.
Pressão Internacional: Países como a França, liderada por Charles de Gaulle, começaram a exigir a conversão de suas reservas em dólares por ouro, reduzindo ainda mais as reservas americanas. Em 1971, o presidente francês Georges Pompidou chegou a enviar um navio de guerra a Nova York para retirar ouro, simbolizando a desconfiança crescente no dólar.
Crise Econômica: A economia americana enfrentava inflação alta e estagnação econômica (estagflação), agravada pelos déficits e pela perda de competitividade industrial. A conversibilidade do dólar em ouro tornava-se insustentável, pois as reservas de ouro dos EUA não podiam atender às demandas potenciais.
O "choque de Nixon" incluiu outras medidas, como a imposição de uma tarifa de 10% sobre importações e controles temporários de preços e salários para combater a inflação. Essas ações visavam proteger a economia americana, mas também sinalizavam uma mudança radical: o dólar passou a ser uma moeda fiduciária, sem lastro em ouro, e as taxas de câmbio tornaram-se flutuantes. Esse movimento consolidou a hegemonia do dólar, agora sustentada pelo poder econômico e militar dos EUA, além do sistema petrodólar estabelecido na década de 1970, que vinculava o comércio de petróleo ao dólar.
Embora o abandono do padrão-ouro resolvesse temporariamente a pressão sobre as reservas de ouro, ele não eliminou o dilema de Triffin. Os EUA continuaram a incorrer em déficits comerciais para sustentar a demanda global por dólares, transformando-se de uma nação credora em uma nação devedora a partir de 1985. Em 2024, o déficit comercial dos EUA atingiu cerca de US$ 1 trilhão por ano, enquanto a dívida pública alcançou US$ 36,2 trilhões, equivalente a 120% do PIB.
A Agenda de tarifas de Trump em 2025: Contexto e Possíveis Intenções
Com a posse de Donald Trump em janeiro de 2025, sua agenda econômica tem atraído atenção global, especialmente por suas propostas protecionistas, como tarifas elevadas sobre importações, e sugestões de mudanças radicais no sistema financeiro, incluindo críticas ao Federal Reserve e especulações sobre um retorno ao padrão-ouro. Para entender o que pode estar "escondido" na agenda de Trump, é necessário analisar suas políticas no contexto do dilema de Triffin e dos desafios econômicos atuais dos EUA.
1. Tarifas e Protecionismo
Trump anunciou tarifas significativas, como sobretaxas de até 50% sobre produtos de países como o Brasil, com o objetivo de reduzir o déficit comercial e promover a reindustrialização dos EUA. Essas medidas ecoam o "choque de Nixon" de 1971, que incluiu tarifas de 10% para proteger a indústria americana. No entanto, especialistas sugerem que o "tarifaço" de Trump pode não reverter o declínio industrial iniciado na década de 1970, embora possa alcançar objetivos específicos, como fortalecer setores estratégicos, devido ao controle dos EUA sobre a economia global.
Essas políticas protecionistas podem ser vistas como uma tentativa de mitigar os efeitos do dilema de Triffin. Ao reduzir importações, Trump busca diminuir o déficit comercial, que é uma fonte de fornecimento de dólares ao mundo. No entanto, isso pode agravar a escassez de liquidez global, como previsto por Triffin, potencialmente desacelerando o comércio internacional e causando tensões com parceiros comerciais.
2. Críticas ao Federal Reserve e Propostas de Retorno ao Padrão-Ouro
O Projeto 2025, um plano elaborado por aliados conservadores de Trump, sugere medidas radicais, como a abolição do Federal Reserve e a consideração de um retorno ao padrão-ouro. Embora Trump não tenha endossado explicitamente essas propostas, elas refletem uma insatisfação com a política monetária atual e a desvalorização do dólar.
Uma proposta específica, defendida pela economista Judy Shelton, envolve a emissão de títulos do Tesouro atrelados ao ouro, permitindo aos investidores escolher entre receber o valor em dólares ou em ouro ao vencimento. Esse mecanismo criaria um "termômetro" para monitorar a confiança no dólar, incentivando políticas que preservem seu valor. Se o dólar se desvalorizasse, os investidores poderiam optar pelo ouro, forçando o governo a adotar medidas fiscais mais disciplinadas. Essa estratégia poderia ser uma tentativa de contornar o dilema de Triffin, reforçando a credibilidade do dólar sem retornar formalmente ao padrão-ouro, que seria impraticável devido à escassez de ouro para suprir a demanda global por reservas.
3. Déficits e Sustentabilidade da Dívida
A agenda de Trump enfrenta o desafio de uma dívida pública de US$ 36,2 trilhões e um déficit fiscal de US$ 1,8 trilhão em 2024. O Projeto 2025 propõe cortes de impostos e aumento de gastos em defesa, como o sistema "Golden Dome", o que pode elevar a dívida em US$ 3,3 trilhões. Essas políticas expansionistas contrastam com a necessidade de reduzir déficits para manter a confiança no dólar, um elemento central do dilema de Triffin.
A confiança no dólar está diminuindo, com a dívida pública ultrapassando 120% do PIB e a posição líquida de investimento internacional dos EUA em US$ 26,2 trilhões negativos. Trump pode estar buscando equilibrar o fornecimento de dólares ao mundo com medidas que fortaleçam a economia doméstica, como tarifas e incentivos fiscais, mas isso pode intensificar tensões globais e domésticas.
4. Implicações Geopolíticas
A agenda de Trump também reflete preocupações geopolíticas. O déficit comercial persistente é visto como uma vulnerabilidade estratégica, pois reduz a competitividade da indústria americana e aumenta a dependência de importações. Suas tarifas e políticas de "América Primeiro" visam fortalecer a produção doméstica, mas podem alienar aliados e intensificar a competição com moedas como o euro e o renminbi, que buscam maior influência global.
Além disso, a saída dos EUA de acordos internacionais, como o Acordo de Paris, e a redução de compromissos com organizações como a OMS, sugerem uma postura isolacionista que pode minar a liderança global dos EUA, essencial para a manutenção do dólar como moeda de reserva.
O Que Pode Estar Escondido na Agenda de Trump?
Embora a agenda de Trump seja apresentada como uma resposta aos desafios econômicos domésticos, como a perda de empregos e o declínio industrial, há indícios de objetivos mais profundos:
Reforço da Hegemonia do Dólar: As propostas de títulos atrelados ao ouro e críticas ao Federal Reserve sugerem uma tentativa de restaurar a confiança no dólar, que enfrenta desafios devido à dívida crescente e à emergência de moedas concorrentes. Ao vincular o dólar a um ativo tangível como o ouro, mesmo que indiretamente, Trump pode buscar sinalizar estabilidade sem comprometer a flexibilidade de uma moeda fiduciária.
Redução da Dependência Externa: As tarifas e políticas protecionistas visam reduzir a dependência de importações e fortalecer a indústria doméstica. Isso pode ser uma resposta estratégica ao dilema de Triffin, diminuindo os déficits comerciais que fornecem dólares ao mundo, mas ao custo de tensões comerciais globais.
Manobra Geopolítica: A agenda de Trump pode estar escondendo uma tentativa de consolidar o poder econômico e militar dos EUA em um momento de competição crescente com a China e outros atores globais. Ao pressionar por negociações comerciais bilaterais e impor tarifas, Trump pode buscar forçar concessões de outros países, mantendo a centralidade do dólar no sistema financeiro global.
Apelo Político Doméstico: Medidas como a extinção da moeda de um centavo e cortes de impostos têm apelo popular e podem ser usadas para fortalecer o apoio interno, mesmo que seus impactos econômicos sejam limitados. Essas ações podem mascarar os desafios estruturais do dilema de Triffin, desviando a atenção do público da insustentabilidade da dívida.
A grande guerra do século XXI - Padrão Dolar
O dilema de Triffin continua a ser uma lente poderosa para entender os desafios do sistema monetário internacional. A queda do padrão-ouro em 1971 resolveu temporariamente as tensões do sistema de Bretton Woods, mas transferiu o problema para um mundo de moedas fiduciárias, onde o dólar permanece como a principal moeda de reserva, sustentado pelo poder econômico e militar dos EUA. A agenda de Trump em 2025, com suas tarifas, críticas ao Federal Reserve e possíveis inovações como títulos atrelados ao ouro, sugere uma tentativa de enfrentar esses desafios, mas também carrega riscos significativos, incluindo tensões comerciais, aumento da dívida e instabilidade global.
Embora não haja evidências claras de um plano secreto, a agenda de Trump parece combinar pragmatismo econômico com objetivos geopolíticos, buscando reforçar a hegemonia do dólar e a competitividade dos EUA, enquanto apela à sua base doméstica. No entanto, o dilema de Triffin sugere que nenhuma moeda nacional pode sustentar indefinidamente o papel de reserva global sem enfrentar contradições. O futuro do dólar e da economia global dependerá de como Trump navegará essas tensões, equilibrando interesses domésticos e internacionais em um mundo cada vez mais multipolar.
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